ESCRITA CRIATIVA: Presença feminina no enredo

Não podemos tampar os ouvidos quando o assunto é a presença da mulher na literatura. Representação feminina de qualidade é importante...

Não podemos tampar os ouvidos quando o assunto é a presença da mulher na literatura. Representação feminina de qualidade é importante sim!

Às vezes, é comum que pensemos que apenas citar a representação de um grupo é suficiente para que a obra abranja diversidade, isso se aplica tanto para presença feminina quanto para representação da sociedade LGBT e movimento negro, entre outros.

Apenas jogar um personagem, solto na obra, que pertença a uma dessas “tribos”, não é sinônimo de diversidade ou representação. Construção de qualidade é essencial em todos os personagens de um livro. Entretanto, se tratando da representação feminina em especial, ainda há grandes e variadas falhas dos autores no momento de construir uma personagem.

A personagem “torta”

Em um texto anterior da Odisseia, explicamos passo a passo a construção de personagens, onde é mencionado a falha da criação de “personagens tortas”

Um personagem torta é sempre um personagem fraco. Para saber se você tem um em seu texto, faça o seguinte teste: seu personagem pode ser substituído por uma torta sem que ocorram alterações na trajetória da narrativa? Se sim, há algo de errado. Isso vale tanto para o protagonista quanto para os personagens secundários.

A questão é que personagens tortas, são, em sua grande maioria, papeis femininos. Preste atenção nos personagens de um livro, se existe aquela figura feminina que não faz diferença alguma em toda a narrativa, se tal personagem não existisse, nada na história seria alterado.

Há, por exemplo, as insossas caricaturas de mulheres “choronas”, que passam a obra inteira sofrendo e se lamentando por aí. Há também a personagem com “síndrome de princesa”, que apenas serve para criar uma cena de ação e de resgate. Entre tantas outras que encontramos em nossas leituras cotidianas:

  • a namorada sem opinião do protagonista;
  • a garota boa e virtuosa que “concerta” o bad boy malvado e atraente;
  • a amazona linda, colocada como mulher forte, mas que realmente não age, só tem participação de beleza e de um ímpeto heroico tão mal desenvolvido que o leitor simplesmente deve “engolir” sua personalidade, ela é assim e pronto, não é necessário que existam ações que provem isso
  • e etc.

O teste de Bechdel

Todas essas relações entre mulheres, pensei, recordando rapidamente a esplêndida galeria de personagens femininas, são simples demais. Muita coisa foi deixada de fora, sem ser experimentada. E tentei recordar-me de algum caso, no curso de minha leitura, em que duas mulheres fossem representadas como amigas. […] Vez por outra, são mães e filhas. Mas, quase sem exceção, elas são mostradas em suas relações com os homens. Era estranho pensar que todas as grandes mulheres da ficção, até a época de Jane Austen, eram apenas vistas pelo outro sexo, como também vistas somente em relação ao outro sexo. E que parcela mínima da vida de uma mulher é isso!

(Virgínia Woolf – Um teto todo seu)

Foi dessa brilhante citação de Virgínia Woolf que surge o “teste de Bechdel”. Idealizado pela cartunista americana Alison Bechdel em 1985 na HQ Dykes to Watch Out, onde duas personagens conversam sobre o quão estranho é a participação feminina em alguns filmes, sempre girando em torno da imagem do homem, criado uma atmosfera de superioridade masculina.

O teste aplicado em primeira versão para filmes, é um grande marcador literário para representação feminina.

Para passar no teste, existem algumas regras:

  • A obra avaliada apresenta duas ou mais mulheres com nome?
  • Essas mulheres conversam entre si?
  • O assunto do diálogo é algo que não seja sobre um homem?

Um livro, ao ser reprovado no teste de Bechdel, não é necessariamente machista, entretanto demonstra uma falha ou falta de preocupação do autor em desenvolver sua personagem com qualidade e verossimilhança. O resultado aparece com uma visão distorcida e danificada da mulher. Elas não são, de fato, espiãs, guerreiras, médicas, advogadas, heroínas ou até mesmo minimamente relevantes. Ainda existem, infelizmente, personagens criadas apenas para sexualização da mulher, como é o caso da mulher “guerreira” com poucas roupas segurando armas grandes.

Reforçar a importância da voz e da representação feminina é um trabalho minucioso e importantíssimo. Talvez, saber avaliar livros e filmes que gostamos seja um passo para criar uma crítica valiosa, obras que amamos não estão isentas de defeitos e falhas, percebe-las é essencial.

Odisseia
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