Como fazer um bom remake?
Aviso: esse post contém spoilers.
Fazer um remake não é uma tarefa fácil, pois envolve inúmeros fatores, os quais afetam tanto os fãs da obra original, quanto os envolvidos nas duas produções.
Ao longo da história midiática, muitos remakes foram feitos, uns ganhando grande aprovação do público, mas não da crítica e outros aclamados pela crítica, mas odiados pelos fãs. Alguns exemplos de obras desse tipo que deram certo (em um cenário geral) são Nasce uma estrela (2018), Moon Lovers: Scarlet Heart Ryeo (2016) e Bravura Indômita (2010). Já entre os exemplos de tentativas que não conquistaram tanto, podemos citar Quarteto Fantástico (2015), A Múmia (2017) e O Sacrifício (2010).
Hoje falaremos de um Remake recente, o qual foi produzido pela Netflix e é a nova versão de uma produção brasileira.
A série original se chama “Julie e os Fantasmas”, foi lançada em 2011 e dirigida por Luiza de Campos, Lucas Paiva Mello e Michel Tikhomiroff. Ela foi transmitida conjuntamente pela Nickelodeon e a emissora Band, ganhando reconhecimento pelo público alvo no país e até mesmo chegando a ser indicada ao Kids Emmy Awards.
A versão brasileira conta a história de Julie, uma adolescente de 15 anos que acaba de se mudar para uma nova casa e, após tocar um disco encontrado em um dos cômodos, conhece 3 fantasmas com os quais, mais à frente na série, irá formar uma banda.
A versão estadunidense manteve o nome original, fazendo somente a tradução para o inglês: “Julie and the Phantoms”. A série foi lançada em 2020, dirigida por Kenny Ortega e disponibilizada como série original no serviço de streaming da Netflix.
A história conta sobre Julie, uma adolescente que, após perder sua mãe, se desprende de sua relação com a música. Um dia, limpando o estúdio de sua casa, Julie encontra um CD de uma banda antiga e, após tocá-lo, 3 fantasmas surgem na sua frente.
Durante o decorrer da trama, os fantasmas formam uma banda com a menina, ajudando a garota a recuperar sua conexão com a música e criando um laço com eles.
O remake precisa ser idêntico ao original para ser bom?
A resposta é um sim, mas também é um não, melhor dizendo, não necessariamente. Refazer algo pode ser remontar essa coisa, mas algumas peças podem ser substituídas no caminho e outras até mesmo adicionadas.
É claro que, na prática, todos os fãs querem sentir a nostalgia de ver suas cenas preferidas novamente, mas não é isso que determinará a qualidade da nova versão.
Agora, veremos no contexto mudanças que aconteceram na versão da Netflix, mas que, em vez de piorar, melhoram o roteiro principal. Também analisaremos o tom das duas obras e mostraremos que as escolhas de cada uma das obras fizeram sentido para seus contextos de produção, distribuição e consumo.
- Personagens
Podemos perceber várias diferenças entre os participantes da série original e seu Remake, a começar por seus nomes:
Os personagens principais da série original são Julie (a protagonista), Daniel, Félix, Martins (os fantasmas) e Bia (a melhor amiga). Além disso, entre os personagens com mais destaque, contamos com o irmão mais novo de Julie, Pedrinho, Nicolas, seu interesse amoroso e, por fim, sua rival, Thalita.
Em Julie and the Phantoms, os personagens em evidência são Julie (a protagonista), Luke, Alex, Reggie (os fantasmas) e Flynn (a melhor amiga). Ademais, entre os personagens mais importantes para a trama, contamos com o irmãozinho de Julie, Carlos, Nick, seu interesse amoroso (a princípio) e, por fim, sua rival, Carrie.
Além da maneira como se chamam, as pessoas da história têm personalidades bem distintas também.
Primeiramente, podemos dizer que não há uma correspondência direta dos fantasmas entre as versões, com exceção de Luke e Daniel, exclusivamente por conta de seus envolvimentos amorosos com Julie, mas que no caso de Alex, Reggie, Félix e Martins são quatro personagens completamente diferentes, compartilhando de algumas características e se diferenciando em outras.
As mudanças nesses aspectos foram interessantes, por exemplo, no caso da protagonista, trazendo uma personalidade mais aberta e assertiva na versão da Netflix. Isso não quer dizer que temos uma Julie melhor que a outra, mas que cada uma combina com seu contexto e tem características que ajudaram em suas caminhadas. O mesmo acontece com os meninos, em que, por exemplo, Daniel é um personagem carregado de sarcasmo e determinado a conseguir seus objetivos, enquanto Luke é otimista e cheio de energia para fazer o que deseja, para os geeks de plantão, pode-se dizer que Daniel seria um verdadeiro Sonserina, enquanto Luke certamente seria mandado para a Grifinória. O novo perfil dos outros personagens contribuiu para que mais pessoas pudessem se identificar com vários traços de personalidades, alguns vistos na obra original e outros na mais recente, como a inquietação de Alex, o senso de humor de Reggie, a cautela de Félix, a confiança de Martins e tantas outras entre os outros componentes das narrativas.
Ainda no contexto dos personagens, é importante ressaltar que o remake trouxe uma grande evolução no quesito diversidade. Na nova versão, temos personagens de várias etnias e com origens diferentes em papéis de destaque, além de alguns personagens abertamente participantes da comunidade LGBTQIA+ (inclusive tendo um desenvolvimento romântico no decorrer da história), pessoas com diagnósticos de ansiedade, entre outros fatores.
- Romance
Em Julie e os Fantasmas, há um arco de desenvolvimento romântico entre Julie e Daniel, mas que acaba pendendo mais para o lado platônico. O fantasma em questão rapidamente passa a sentir afeição por Julie, mas como a garota está completamente apaixonada por Nicolas acaba não correspondendo na mesma intensidade que o garoto.
Vemos que em alguns momentos da série a protagonista se sente balançada pelo colega de banda, pois podia tocá-lo e interagir com ele deliberadamente (como uma pessoa viva), mas sempre mantinha em sua cabeça que ele era um fantasma, tornando esse amor impossível e, também, nunca deixando de querer estar com Nicolas.
Daniel acaba abrindo mão de seus sentimentos no final da série e aceita que Julie e Nicolas deveriam ser felizes juntos, terminando vendo os dois namorando e se conformando em ser somente seu melhor amigo e parceiro de banda.
Em Julie and the Phantoms a dinâmica é diferente. Julie tinha um crush por Nick no começo da trama, mas esse sentimento é rapidamente esquecido assim que Luke chega em sua vida. O fantasma e a garota vão percebendo aos poucos que têm muito em comum, passam bastante tempo juntos escrevendo músicas, descobrem uma química imensa em cima do palco entre eles e acabam se apaixonando profundamente um pelo outro.
Diferente da série original, Julie não pode tocar em Luke, o que dificulta ainda mais a ideia da possibilidade de um relacionamento entre os dois, mas isso não impediu que a conexão entre eles ficasse cada vez mais forte, justamente para superar essa barreira.
Ao final da primeira temporada, um acontecimento permite que agora seja possível que os dois se toquem, mas ainda há muitos fatores que podem dificultar um verdadeiro envolvimento dos dois.
Como o final foi aberto, não saberemos o destino desse casal até que seja lançada uma nova temporada.
Nesse ponto, a questão de ponto de vista irá prevalecer, pois se você for uma pessoa realista (na medida do possível em um universo em que fantasmas formam bandas com humanos) é de se esperar que prefira que a Julie fique com o garoto vivo, com o qual tem mais estabilidade garantida e sem grandes barreiras. Agora, se você é um romântico imaginativo, acredito que prefira que seja criada qualquer coisa que permita que o relacionamento entre humanos e fantasmas seja possível, que a conexão ganhe dos obstáculos e que o amor prevaleça no final.
- Conflitos
Na versão original, o conflito é a fiscalização das leis do mundo dos fantasmas interferindo na atuação da banda. As regras dizem que fantasmas não podem interagir com os humanos e quem faz isso deve pegar a pena. Os meninos, sabendo do risco que corriam, continuaram a se apresentar em cada vez mais lugares com Julie, atraindo a atenção de um dos funcionários da polícia espectral, Demétrius.
Durante toda a série esse inspetor espectral tentará denunciar Daniel, Félix e Martins, algumas vezes conseguindo prendê-los e atrapalhar a vida dos garotos, mas, ao final, eles conseguem arrumar um jeito que chantagear o homem para que ele nunca mais incomodasse a banda.
No remake, o vilão da vez é Caleb, o dono de um clube de fantasmas que fornece entretenimento para os ricos. Diferente da versão original, os fantasmas não podem aparecer quando quiserem para os corpóreos, então o antagonista acreditava que era o único fantasma com o poder de fazê-lo, mas vê que está errado quando conhece os meninos da banda.
Caleb arma uma armadilha para implantar sua marca nos meninos, a qual suga sua energia até que desapareçam. O único jeito de lidar com essa marca é ficar sob o controle de quem a colocou, então o dono do clube acreditou que teria a única ameaça a ele ao seu alcance, obrigando-os a tocar com ele para sempre.
O que acontece é que os meninos não se rendem e ficam até o último segundo firmes com Julie, que, após um momento de total conexão com sua banda, consegue retirar a marca deles.
O conflito do remake parece mais profundo e embasado, mas é bom lembrar que a série brasileira buscava alcançar o público mais infantil, enquanto a estadunidense queria dialogar com os adolescentes. Muita coisa ainda poderia ser explorada dos dois conflitos, mas os dois foram bem trabalhados para seus objetivos.
- Estilo musical
Tanto a estética dos personagens, quanto o ritmo de suas músicas traziam uma pegada Rock/Emo, não com letras tristes, é claro, pois se tratava de uma série de crianças, mas revelando esse estilo nos pequenos detalhes. Para ser mais fácil de entender como era, um bom exemplo de referência de estilo semelhante é a banda NX Zero, da qual Julie era fã e que até fez uma participação especial na série, tendo um episódio inteiro dedicado a eles.
Em Julie em the Phantoms, toda a produção musical vem com a marca registrada do diretor, Kenny Ortega. Essa grande figura produziu filmes com High School Musical, Descendentes e coreografou outros, como, por exemplo, Dirty Dancing.
As músicas da versão estadunidense trazem a pegada mais Rock/Pop, no estilo dos personagens, principalmente Julie, mas também em suas letras e batidas.
As letras das músicas de Julie e os Fantasmas falam muito sobre as implicações da adolescência, como ser notada pela pessoa que gosta (“Invisível” e “Você Não Sabe”), amar a melhor amiga (“Para Sempre Nós”) e tentar alcançar os sonhos (“Meu Louco Mundo” e “Essa Noite Somos Um Só”), que no caso de Julie é conseguir o sucesso fazendo o que ama, sua música. No remake, algumas letras são mais profundas, trazendo à tona conflitos mais sérios, como “Wake Up” e “Unsaid Emily”, mas também falando de temas parecidos com a versão original, como o sonho da música em “Finally Free” e amar a melhor amiga em “Flying Solo”.
Apesar da produção mais recente ter tido um orçamento bem maior para a produção, as músicas de ambas as séries são boas e fazem sentido com o contexto e o tom escolhido para contar suas histórias.
- Finalização
O final da obra original é fechado, trazendo a união de todas as pontas e tendo uma típica cena final de “deu tudo certo”. Como já dito anteriormente, os meninos arrumam uma maneira de não serem mais incomodados pela polícia espectral e os conflitos românticos são resolvidos, dessa forma, a série termina com a banda ficando cada vez mais famosa e tocando juntos, em harmonia, livres e felizes para fazer isso.
Em Julie and the Phantoms, o final é aberto, característica já conhecida pela Netflix que sempre deixa um tom misterioso no ar, assim tendo a chance de renovação de contrato se o público der um bom retorno. Como já apontado no decorrer da análise, os meninos conseguem se livrar da marca e agora podem tocar em Julie, mas não se sabe se isso permitirá que eles sejam vistos ou tocados por outros também. Além disso, o vilão não desiste e possui Nick nos últimos segundos de cena da série, mostrando, assim, que a banda não se livrará tão fácil dele.
A finalização das duas obras trouxe características boas que um final pode ter. Na versão brasileira, esse “felizes para sempre” é bem condizente com o público infantil, trazendo também uma fórmula bem utilizada nas produções nacionais. No remake, o final aberto é uma ótima cartada, pois a série contou com poucos episódios, bem menos que a original, então atrair o público que queria mais dessa história para uma possível segunda temporada é uma ótima estratégia.
Conclusão
Conseguimos perceber durante toda essa análise que, apesar do plot ser o mesmo e existirem várias coisas em comum, as duas séries são bem diferentes, mas ambas com várias qualidades.
Podemos concluir então que, desde que seja levado em consideração quais são as peças essenciais dessas obras, mudanças podem ser muito positivas para vários fatores, como a época em que está inserida, o tipo de coisas que se consome nesse tempo, o estilo do diretor, o público alvo que quer atingir, entre muitos outros. Então, a próxima vez que assistir um remake, tente observar com atenção que mudanças foram realizadas e tente entender o porquê de terem sido feitas, será muito mais fácil de avaliar e aproveitar as duas obras!
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