Vozes indígenas na educação

O Dia dos Povos Indígenas no Brasil, instituído como dia 19 de abril, marca um momento menos comemorativo e mais destinado à luta e...

O Dia dos Povos Indígenas no Brasil, instituído como dia 19 de abril, marca um momento menos comemorativo e mais destinado à luta e resistência da população indígena brasileira por seus direitos.

A resistência dos povos indígenas é centenária e, ainda assim, as conquistas de direitos são muito recentes. Foi somente na Constituição Federal de 1988, por exemplo, que foi abandonada a perspectiva assimilacionista, ou seja, a visão de que ser indígena era uma categoria social transitória, destinada a desaparecer.

Hoje, felizmente, há mais espaço para as vozes indígenas na mídia, mas o silenciamento ainda acontece, com pouco noticiamento de movimentos indígenas e de denúncias de abusos graves acontecendo com tais povos e as terras que ocupam, projetos de lei que visam retirar direitos já assegurados e a perpetuação de estereótipos, muitos ainda sendo ensinados na escola.

Ainda que esteja longe do ideal, o acesso a materiais elaborados por educadores indígenas e a obras literárias escritas por autores indígenas é muito possível. Tal conhecimento é necessário para qualquer pessoa mas, para professores, se torna cada vez mais imprescindível. Assim, no post de hoje trarei algumas visões sobre educação indígena, como um incentivo inicial à busca por esse conhecimento.

Os povos indígenas na educação

É importante lembrar, já de começo, que um único indivíduo não pode falar por todos. Parece óbvio, mas parte da estereotipação de povos indígenas (e de qualquer grupo minoritário, na realidade) nasce da visão de que há uma experiência indígena única.

O básico, então, é estar ciente de quão vasta é a pluralidade dos povos indígenas no território brasileiro. Cada um tem suas tradições, línguas e histórias, uma distinção que precisa aparecer na sala de aula. Ainda assim, é preciso lembrar que reduzir povos indígenas às suas práticas culturais, geralmente registradas por antropólogos não indígenas, é tão limitante quanto, como afirma a pesquisadora Julie Dorrico:

“Estudar culturalmente características como dança, pintura, religião não são suficientes para reduzir os povos indígenas a uma vivência cultural, como podemos ver acontecer no mês do abril indígena. Tal prática só colabora para o sistema existente de exploração simbólica dos povos originários.

Em outras palavras, é preciso, para além de estudar livros com temáticas indígenas publicados por não indígenas, ouvir os sujeitos indígenas, escutar suas histórias, compreender os aspectos culturais que diferenciam os povos étnicos, ler suas literaturas autorais, etc.”

A educação escolar indígena

Falando em sala de aula, vale a pena falar um pouco sobre a educação escolar indígena, outro direito conquistado há poucas décadas, também na Constituição de 1988.

“A legislação que trata da educação escolar indígena tem apresentado formulações que dão abertura para a construção de uma escola indígena que, inserida no sistema educacional nacional, mantenha atributos particulares como o uso da língua indígena, a sistematização de conhecimentos e saberes tradicionais, o uso de materiais adequados preparados pelos próprios professores índios, um calendário que se adapte ao ritmo de vida e das atividades cotidianas e rituais, a elaboração de currículos diferenciados, a participação efetiva da comunidade na definição dos objetivos e rumos da escola.”

Mesmo com o respaldo da legislação, ainda há problemas e pontos que podem ser melhorados nessa educação, muitos deles sendo relacionados a problemas encontrados na educação tradicional, ocidental, que acabam sendo transferidos ao ensino dos povos indígenas.

O educador Gersem Baniwa, por exemplo, critica a maneira autoritária com que os gestores das escolas lidam com a educação, bem como o movimento de restringir o ensino somente à escola. Para ele, a educação deve ser uma prática da comunidade junto com a escola com corresponsabilidade no processo educacional, em uma pedagogia coletiva. Há problemas também, ele aponta, nos instrumentos de avaliação atuais, que são excludentes: na escola básica, as avaliações são feitas em somente em português, mesmo que os estudantes tenham direito de estudar usando sua língua materna; e no ensino médio, as avaliações são voltadas para os conteúdos que caem no Enem, unicamente. E se o estudante não quiser prestar o Enem, com interesse em continuar vivendo com seu povo? Como abarcar os conhecimentos que um jovem com essa mentalidade gostaria de aprender?

O escritor Daniel Munduruku vai ainda mais além, questionando a obrigatoriedade dos estudantes indígenas em aprender a ler e escrever em português.

“[…] ao meu ver, foi-se criando uma necessidade nos jovens nativos de apreender conceitos e teorias que não cabem no pensar holístico e circular de seus povos. Esta agressão ao sistema mental indígena, fruto de uma história da qual não somos culpados, mas sobre qual temos responsabilidade, acaba se perpetuando nas novas políticas inclusivistas levados a efeito por governos nas três esferas.

Conclusão: nossos jovens se veem obrigados a aceitar como inevitável a necessidade de ler e escrever códigos das quais prefeririam não aprender e não lhes é dado o direito de recusar sob a acusação de preguiça ou descaso para com a “boa vontade” dos governos e governantes.”

É possível perceber a pluralidade de debates envolvendo a educação indígena. Como em qualquer assunto, é necessário conhecer diversos pontos de vista, escutar diferentes educadores, ler diferentes autores, enriquecendo nossa vivência com as vozes dos povos indígenas, seja no dia a dia ou na sala de aula.

Fontes:

DORRICO, Julie. Educação indígena e educação escolar indígena entenda a diferença. UOL, [s. l.], 19 maio 2021. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julie-dorrico/2021/05/19/educacao-indigena-e-educacao-escolar-indigena-entenda-a-diferenca.htm . Acesso em: 2 maio 2022.

GERSEM Baniwa | Povos Indígenas e Educação | Ensaios sobre Educação | Instituto Unibanco. [S. l.: s. n.], 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oo1HrHKf4Vc . Acesso em: 2 maio 2022.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. A educação escolar indígena no Brasil. Povos Indígenas no Brasil, [s. l.], 2018. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/A_educa%C3%A7%C3%A3o_escolar_ind%C3%ADgena_no_Brasil . Acesso em: 2 maio 2022.

MUNDURUKU, Daniel. A escrita e a autoria fortalecendo a identidade. Povos Indígenas no Brasil, [s. l.], 18 set. 2017. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/A_escrita_e_a_autoria_fortalecendo_a_identidade . Acesso em: 2 maio 2022.

Para se aprofundar no assunto:

https://apiboficial.org/atl2022/

https://pib.socioambiental.org/pt/Escola,_escrita_e_valoriza%C3%A7%C3%A3o_das_l%C3%ADnguas

https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julie-dorrico/

https://danielmunduruku.blogspot.com/2010/04/milenar-arte-de-educar-dos-povos.html

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Essa iniciativa surge com o intuito de valorizar a educação, a ciência e a universidade. O post educacional ocorre mensalmente aqui no blog e com ele, a Odisseia tem como objetivo apresentar reflexões, críticas e sugestões para os estudantes, além de incentivar e auxiliar a entrada na universidade. Acreditamos na mudança por meio da educação. Portanto, essa é a nossa pequena contribuição para a valorização do nosso futuro!

Mariama Soares Sene Pereira
Mariama Soares Sene Pereira
Artigos: 26

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