Não, precisão histórica não justifica exclusão de diversidade

Já falamos diversas vezes em vários posts que, de fato, incluir diversidade em uma obra pode ser trabalhoso. É necessário muita pesquisa...

Já falamos diversas vezes em vários posts que, de fato, incluir diversidade em uma obra pode ser trabalhoso. É necessário muita pesquisa e atenção para evitar perpetuar preconceitos e estereótipos, além de disposição para ouvir críticas, principalmente das minorias que estão sendo retratadas. Tendo isso em vista, é compreensível o medo de escrever vivências que não as nossas, mas esse receio não justifica a exclusão dessas outras vivências.

Medo nem sempre é a justificativa, porém. Existe um monte de “razões pelas quais não posso incluir um personagem x na minha história”. A maioria é infundada e tem origem em alguma concepção preconceituosa. Uma dessas justificativas usada com muita frequência, e de que vamos falar hoje, é a precisão histórica.

Mundos fantásticos medievais são, em primeiro lugar, fantásticos

“Mas por que, então, todo mundo é branco?”.

Várias obras já foram criticadas nesse ponto, Game of Thrones, de George R. R. Martin e O Senhor do Anéis, de J. R. R. Tolkien sendo alguns exemplos. Com o passar dos anos, as audiências e leitores, cada vez mais demandando por diversidade nos materiais que consomem, passaram a apontar a falta de personagens que não fossem brancos, apontando que, em Game of Thrones, personagens negros em grande maioria eram escravos. A resposta de muita gente a essas críticas foi dizer que isso acontece porque são fantasias baseadas no mundo medieval europeu, que teria essa configuração de acordo com a história.

Há muitos pontos para se questionar nisso, mas o primeiro e mais latente é: se trata de uma fantasia. Nessas histórias existem dragões, elfos, gigantes e magia de todo tipo. Isso tudo, como todos nós sabemos, não existiu numa Europa medieval historicamente precisa, não? O que impediria, então, de haver princesas deficientes, cavaleiros negros e fadas bissexuais? Além do mais, esse argumento do “historicamente preciso” só acaba sendo usado até um ponto, um ponto confortável. Afinal, se vamos falar de uma Europa medieval precisa, então teríamos que tocar no ponto de que as mulheres não teriam o mesmo padrão de beleza de hoje, ambicionando o mesmo tipo de corpo ou se depilando com frequência, por exemplo. Teríamos que falar da falta de higiene geral da época, indo do fato das pessoas morrerem de disenteria até o de tomarem banho com bem menos frequência do que fazemos atualmente.

Essa ideia de homogeneidade de população é um mito. Mesmo a Europa medieval já estava conectada a outras partes do mundo, com diversidade, sim, de pessoas, de sexualidades.

Claro, existe o argumento de que deveríamos parar de querer inserir pessoas negras, asiáticas, latinas e indígenas em construções europeias. Existe um incentivo crescente para que se escrevam fantasias que se passem ou se baseiem nos impérios que foram erguidos na Ásia, na África, na América, para que se use da mitologia desses lugares. E esse é, com toda certeza, um apelo válido e que certamente deve ser feito. A questão é que não podemos simplesmente descartar o fato de que não é tão simples assim. Para explicar isso melhor, citarei um trecho de um post do site People of Color in European Art History:

“Por causa do colonialismo, a maioria de nós foi forçada a consumir a história, a mitologia, os contos de fadas e o medievalismo da Europa. Disseram para nós que isso era o melhor, o com mais qualidade, o único. Está em todos os lugares em que olhamos: filmes, desenhos, livros, séries, e nos disseram que isso é algo que nós devemos aprender e, em alguns casos, é o único contexto em que podemos usar nossa imaginação, mas não realmente para nós mesmos. Não é sobre nós. Porque nós não somos “Historicamente Precisos”.[…] Eu acho que nós podemos ter os dois, ter tudo e mais um pouco. Nós podemos contar nossas próprias histórias, fazer nossa mídia, e ter uma Cinderela negra E asiática E indígena E originária das ilhas do Pacífico E latina e qualquer outra Cinderela que quisermos. Nossas histórias valem a pena serem contadas, e, para alguns de nós, que tiveram suas culturas esmagadas por múltiplos genocídios, que foram colonizados, que tiveram suas imaginações substituídas pelo Eurocentrismo, temos permissão e direito às nossas próprias histórias de Cinderela, em qualquer nova e linda forma que elas tomem.”

(Tradução livre de trechos ,,desse post)

O passado não é branco, nós só fomos ensinados para acreditar que é

Como muito bem colocado no trecho acima, as histórias de culturas e populações não-brancas foram perdidas, por uma variedade de motivos. Isso, além de todas as implicações acima, também é mais um motivo para não deixar a diversidade de fora de uma história porque “supostamente não seria algo possível”. A história das pessoas com deficiência, que fugiam ao “padrão” de gênero e sexualidade e de outras cores e etnias foram apagadas, não temos contato com elas. Nossa história é colonialista e eurocentrista, e isso tem efeito na maneira como enxergamos o passado.

Por exemplo: existem registros fotográficos de pessoas negras na Era Vitoriana inglesa, não como escravos, mas como membros da sociedade. Existem registros de vikings muçulmanos. E existem muitas coisas para as quais não temos registros, porque isso é parte da história que foi perdida, ou melhor, destruída.

O assunto de inconsistência histórica é complexo e grande demais para caber nesse post (deixei alguns links de sites e publicações interessantes sobre esse assunto, inclusive). A extensão desse tema é tão enorme porque são muitos argumentos, dos mais variados tipos, mostrando que a história não é uma justificativa para a exclusão de minorias, sendo, até, um incentivo para escrever com diversidade.

,,https://medievalpoc.tumblr.com/

,,https://writingwithcolor.tumblr.com/tagged/poc+in+history

,,https://techcrunch.com/2015/09/15/missing-the-target/

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Mariama Soares Sene Pereira
Mariama Soares Sene Pereira
Artigos: 26

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