Escrevendo histórias em quadrinhos

Existe uma variedade imensa de maneiras de se contar histórias. Aqui na Escrita Criativa focamos bastante na escrita em prosa, mas certas...

Existe uma variedade imensa de maneiras de se contar histórias. Aqui na Escrita Criativa focamos bastante na escrita em prosa, mas certas dicas e debates sobre narrativa podem ser facilmente transpostos para outros meios. Neste post vou explorar uma dessas mídias: os quadrinhos.

A grande maioria dos conselhos sobre escrita de prosa podem ser aplicadas a uma narrativa construída também com imagens. É importante fazer ,construir bem o mundo em que a história se passa, construir ,boas personagens, ,diversas e coerentes, pensar com cuidado no enredo e como executá-lo. A grande novidade é a imagem, que, sendo um meio diferente, abre espaço para outras estratégias e maneiras de se contar uma boa história.

Escolhas básicas

Em seu livro “Desenhando Quadrinhos”, Scott McCloud diz que, quando se trata de contar uma história da maneira mais clara possível, é preciso ter cinco tipos básicos de escolhas em mente:

  1. Escolha do momento: “decidindo quais momentos serão incluídos e quais serão deixados de fora de uma história em quadrinhos.”
  2. Escolha de enquadramento: “escolhendo a distância e ângulos certos para esses momentos serem vistos, e onde cortá-los.”
  3. Escolha de imagem: “renderizando os personagens, objetos e ambientes nesses enquadramentos com clareza.”
  4. Escolha de palavras: “escolhendo palavras que acrescentam informação valiosa e que funcionam com as imagens à sua volta.”
  5. Escolha de fluxo: “guiando os leitores através e entre os painéis na página.”

Vamos, então, à uma explicação breve de cada escolha.

1. Escolha do momento

O interessante aqui é que as sequências de painéis, as imagens, consigam contar algo. Se temos um total de oito painéis para mostrar uma ação e, se ao retirarmos um dos painéis, a ação ali representada não muda, talvez o painel retirado seja supérfluo e pode ser cortado. Isso, claro, se a intenção é clareza e passar informação da forma mais direta possível. Outros tipos de abordagem podem e devem ser feitas. Scott McCloud cita alguns tipos de transição entre painéis que tem propósitos diferentes:

  • Momento a momento – a atenção aqui está nos detalhes, com uma dinâmica quase de filme, o que pode ajudar a mostrar pequenas mudanças e aumentar a expectativa ou o suspense.
  • Ação a ação – aqui o foco é a eficiência, já que cada painel adianta a narrativa em um ritmo constante.
  • Tema a tema – passa-se por uma série de temas em uma única cena, o que ajuda a mover a história com mudanças de ângulos que guiam a atenção do leitor.
  • Cena a cena – aqui transiciona-se entre distâncias significativas de espaço ou tempo, realizando saltos que ajudam a comprimir a história a um tamanho possível de ser administrado.
  • Aspecto a aspecto – transiciona-se de um lugar, uma ideia ou um sentimento para outro, o que ajuda a dar uma sensação de tempo parada, além de criar um senso forte de lugar e humor.

Que tipo de transição será mais usada na história é resultado do tipo da narrativa. Se for mais focada no enredo, por exemplo, transições de ação a ação e de cena a cena provavelmente funcionarão melhor. Pode-se misturar os tipos de transição também, o importante é criar um ritmo que ajude a contar a história ali, seja qual for.

2. Escolha de enquadramento

“Escolha de enquadramento é a etapa em que você decide o quão perto deve enquadrar uma ação para mostrar todos os detalhes pertinentes, ou quanto recuar para que o leitor saiba onde uma ação está acontecendo, e talvez dar a ele a sensação de estar ali no processo. É a etapa em que você decide como aspectos de composição como corte, equilíbrio e inclinação afetarão como seus leitores perceberão o mundo que você criou, além de como se sentirão posicionados dentro daquele mundo.” (McCLOUD, 2006, p. 19, tradução livre)

O enquadramento do desenho é muito parecido com o enquadramento da câmera, criando sensações diferentes dependendo de onde e como se olha para as situações. Um enquadramento “de baixo para cima” cria uma sensação de pequenez a um personagem ou objeto em contraste a outro que se ergue sobre ele, por exemplo.

3. Escolha de imagem

A escolha de imagem se resume ao desenho em si, e o que você gostaria de comunicar com ele. As imagens sozinhas devem ser capazes de dizer algo ao leitor. A expressão de uma personagem precisa demonstrar o que ela está sentido sem que texto precise apontá-lo. Aqui a dica do “mostre, não conte” é especialmente literal e muito pertinente. Independente do seu estilo de desenho, sendo do mais abstrato ao mais realista, o importante é ser capaz de comunicar algo.

4. Escolha de palavras

As palavras certas podem tornar um desenho vago em uma informação clara, de fato, algumas ideias, conceitos e nomes só podem ser transmitidos por palavras. É com elas que criamos diálogos, podemos manipular a sensação de tempo com um simples “dois anos depois” no cantinho da página. O importante é balancear o escrito e o desenhado, sabendo escolher quando uma imagem realmente vale mais do que mil palavras.

5. Escolha de fluxo

“Entre painéis, sua escolha de fluxo se baseia no contrato não escrito entre artistas e leitores que afirma que os painéis são lidos da esquerda para a direita primeiro, depois debaixo para cima.” (McCLOUD, 2006, p. 32, tradução livre)

Claro, existem exceções. Nos mangás lê-se da direita para a esquerda, o que, assim como nas histórias em quadrinhos ocidentais, orienta a ordem dos balões de fala e das informações ali dispostas.

O importante na escolha de fluxo tornar a leitura fácil para o leitor, apontando onde o foco do olhar deve estar. Ao se repetir o mesmo fundo e enquadramento por vários painéis, por exemplo, o leitor passa a ignorá-lo e focar no que mudar de imagem a imagem, o que deve ser o mais importante daquela cena.

As dicas foram bem básicas, um começo de conversa sobre quadrinhos. Há uma variedade de técnicas para serem exploradas, além de, claro, cada autor e desenhista ter sua maneira de contar histórias, adaptando as regras à sua necessidade. O livro que usei de base para esse post, inclusive, é uma ótima fonte para conhecer mais sobre a arte de contar histórias com quadrinhos.

Desenhando Quadrinhos: os segredos das narrativas de quadrinhos, mangás e graphic novels (Scott McCloud)

Em “Making Comics”, Scott McCloud concentra sua análise na própria forma de arte, explorando a criação de quadrinhos, desde os princípios mais amplos até os detalhes mais nítidos (como, por exemplo, acentuar os músculos faciais de um personagem para formar a emoção de nojo em vez de emoção de surpresa). E ele faz tudo isso em sua voz inimitável e através de seu narrador de cartum, misturando humor seco e instrução legítima. McCloud mostra ao seu leitor como dominar a condição humana por meio da palavra e da imagem de uma forma brilhantemente minimalista. Os devotos dos quadrinhos, bem como os mais não iniciados, ficarão maravilhados com esta jornada em uma forma de arte antes subestimada.

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Mariama Soares Sene Pereira
Mariama Soares Sene Pereira
Artigos: 26

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