Princess Tutu vs. Sailor Moon

Como contamos histórias Aviso: esse post contém spoilers. Narrativas metalinguísticas me encantam de um jeito especial. Em preparação...

Como contamos histórias

Aviso: esse post contém spoilers.

Narrativas metalinguísticas me encantam de um jeito especial. Em preparação para esse post, revisitei algumas das minhas obras favoritas, e, para minha surpresa, muitas delas, em suas histórias, refletiam sobre contar histórias. Na trilogia dos Dragões de Éter, de Raphael Draccon, por exemplo, há toda uma alegoria sobre o autor ser o Criador do universo dos livros, que só se mantém vivo pela interferência dos semideuses, os leitores, ao se lembrarem e interagirem com os personagens. Em Coração de Tinta, de Cornelia Funke, Mo é capaz de trazer personagens dos livros que lê em voz alta para o mundo real, o que suscita uma série de questões sobre a quem pertence uma história, se ao autor, se aos leitores…

Assim como as citadas anteriormente, a obra que será analisada aqui também se estrutura de forma metalinguística, coisa que reflete no enredo e nos personagens, brincando com seus estereótipos de maneira muito inteligente. É por esse motivo que me parece um movimento muito produtivo analisar a construção da narrativa do anime Princess Tutu, como uma forma de refletir sobre nossa própria maneira de escrever e encarar histórias.

Mas, claro, como é de costume no Estudo de Caso, farei comparações com outra obra, não com a intenção de apontar falhas, mas sim para demonstrar a diferença de construção entre personagens. E não há obra melhor para se comparar com um anime de garota mágica (,,mahō shōjo) do que o mais famoso dessa categoria: Sailor Moon. Vou analisar somente a primeira temporada do anime, sem considerar o mangá.

Princess Tutu (2002)

Criadora: Ikuko Itoh

Em um conto de fadas que ganha vida, a desajeitada, doce e gentil Ahiru (“pato” em japonês) parece uma protagonista improvável. Na realidade, Ahiru é tão mágica quanto os gatos e crocodilos falantes que habitam sua cidade – pois Ahiru é realmente um pato! Transformada pelo misterioso Drosselmeyer em uma humana, Ahiru logo descobre a razão de sua existência. Usando seu pingente mágico em forma de ovo, Ahiru pode se transformar em Princess Tutu – uma bela e talentosa dançarina de balé cujas danças aliviam as pessoas da agitação em seus corações. Com sua habilidade recém-descoberta, Ahiru aceita o desafio de coletar os fragmentos perdidos do coração de seu príncipe, pois há muito tempo ele o havia quebrado para selar um corvo do mal por toda a eternidade.

Princess Tutu é um conto de heróis e sua luta contra o destino. Suas crenças, seus sentimentos e, em última análise, suas ações determinarão se este conto de fadas pode chegar ao seu “felizes para sempre”.

Sailor Moon

Criadora: Naoko Takeuchi

Usagi Tsukino é uma estudante comum e chorona, que sempre tem notas baixas em seus testes. Inesperadamente, sua vida monótona vira de cabeça para baixo quando ela salva um gato com uma lua crescente na cabeça do perigo. A gata, chamada Luna, mais tarde revela que o encontro não foi um acidente: Usagi está destinada a se tornar Sailor Moon, uma guardiã planetária com o poder de proteger a Terra. Ao receber um broche especial que permite que ela se transforme, Usagi deve usar seus novos poderes para salvar a cidade de monstros malignos que roubam energia, enviados pela malévola Rainha Beryl do Reino das Trevas.

Mas se acostumar com seus poderes e lutar contra vilões não são as únicas coisas com que ela precisa se preocupar. Ela deve encontrar a princesa perdida do Reino da Lua, as outras Sailor Guardians e o Lendário Cristal Prateado para salvar o planeta da destruição.

A protagonista

Usagi Tsukino:

Como fica claro na sinopse, Usagi tem uma personalidade muito comum para heroínas de anime. No decorrer de suas aventuras como Sailor Moon, ela se vê obrigada a lidar com sua própria imaturidade e egoísmo, dando espaço para que suas características mais positivas, como a dedicação aos seus amigos e uma crença firme no melhor das pessoas. Tanto que, ao final da temporada, ela está disposta a se sacrificar para derrotar a grande vilã da série.

Ahiru:

Ahiru se parece bastante com Usagi. Desajeitada e ruim no que está estudando, o balé, a garota parece ter uma personalidade facilmente compreensível. As diferenças começam, porém, no fato de ela nem mesmo ser uma menina. Ahiru é, na realidade, um pato. Parte de sua falta de jeito poderia até ser atribuída a esse fato. Isso também cria algumas comparações interessantes, como o fato de ela ser um “patinho feio”, em sua forma humana ou animal, e um “cisne” quando se transforma em Princess Tutu.

Como Usagi, Ahiru amadurece com o decorrer do anime, cada vez mais determinada e consciente da dimensão dos sacrifícios que terá que fazer para salvar quem ama.

Em um padrão que se repete em todos os aspectos do anime, a história de Ahiru é fortemente inspirada por balés clássicos e isso reflete no desfecho de sua jornada. Nos balés é muito comum termos desfechos com um tom melancólico ou mesmo trágico. Os caminhos disponíveis para Ahiru terminam com o fim de sua experiência como humana, isso se quiser que seus amigos estejam salvos. Mesmo na escolha de ajudar quem ela ama, não está livre de dificuldade: nossa protagonista logo percebe que, ao devolver os fragmentos do coração do príncipe, ela está lhe causando dor, uma vez que está acordando seus sentimentos, e nem todos eles são bons.

No decorrer da história, além de evoluir como personagem, Ahiru também vai percebendo, pouco a pouco, o impacto que suas atitudes tem naquele mundo inteiro e que, no fim, seu lugar será novamente fora da narrativa, sem poderes ou forma humana.

O enredo peculiar de Princess Tutu: glória e felicidade

É claro que Princess Tutu e Sailor Moon tem diferenças em seu enredo e personagens. São histórias distintas, no fim das contas. Como eu apontei no começo do post, a comparação aqui não tem a intenção de determinar qual das duas obras é a melhor, mas ver, colocando-as lado a lado, uma característica especial de Princess Tutu: sua metalinguagem.

O enredo e os personagens do anime são construídos de uma maneira que faz o espectador prestar atenção em como a história está sendo contada, além de quem a conta, com quais artifícios, e qual é a consequência disso para os personagens. Percebemos Ahiru como mais do que uma protagonista: também vemos que ela é a peça que faltava para a história entrar em curso e, logo, sabemos que suas ações vão ditar os caminhos que a narrativa vai tomar.

Não é como se não soubéssemos que quando Usagi se torna Sailor Moon, há uma história começando a se desenvolver. Sabemos, mas não estamos tão conscientes disso no nível em que estamos em Princess Tutu, com a narração, a voz de Drosselmeyer e escolhas visuais no anime apontando para essa realidade.

Drosselmeyer literalmente interfere na história, entrando na cena congelada na silhueta do que antes era mais uma casa do plano de fundo.

“Que para aqueles que aceitam seu destino seja concedida a Felicidade, e que para aqueles que desafiam seu destino seja concedida a Glória”

Drosselmeyer, o homem misterioso que concede poderes a Ahiru, é um escritor que, depois de ter a história que escrevia interrompida porque morreu, de alguma forma volta a manipular os personagens para dar fim à sua narrativa. A história que ele escrevia era uma tragédia, e as consequências disso para cada uma das personagens são óbvias. É por isso que a citação acima, retirada do anime em questão, tem tanto peso: aqui, destino tem um papel central. O destino é o enredo, dando a cada pessoa presente na narrativa um começo, meio e fim.

No fim, o anime não termina em tragédia. Descobrindo poderes e fatos novos, as personagens se opõem à história escrita por Drosselmeyer. O príncipe se casa com a princesa, após destruir o grande mal, o Rei dos Corvos. Para eles, o final é certamente glorioso. Nem todos vão contra seu destino: Ahiru, depois da batalha final, volta a ser uma pata, era a única forma. Para dar a chance de seus amigos lutarem contra seus destinos, ela tinha que aceitar o seu próprio. O final tem um gosto agridoce, apesar de não trágico. E a Ahiru parece feliz em sua forma animal, tendo cumprido seus objetivos e salvado seus amigos.

Princess Tutu é um anime espetacular em vários aspectos. Do design dos personagens à trilha sonora, é uma história rica em informação. O balé está entremeado na narrativa, nas músicas que combinam perfeitamente com as cenas e nos movimentos de dança que, em certos pontos, servem até como forma de diálogo.

Aqui, Ahiru está fazendo o movimento do balé que significa “amor”

Para os fãs de anime, Princess Tutu é atrativo por começar abraçando os clichês do gênero e dos contos de fadas, mas, pouco a pouco, ir subvertendo cada um deles. Ahiru é quem salva o príncipe, a “rival” inicial da protagonista é quem termina com um final de conto de fadas. E é tudo bem feito, fazendo sentido.

Só que Princess Tutu também é uma obra para escritores e leitores. Ao colocar o autor da história como um personagem na trama, que age tanto como um narrador quanto como um vilão, somos capazes de refletir sobre o que faz uma história funcionar. Subvertendo os plots mais básicos ou se debruçando sobre o que é preciso para montar uma narrativa, podemos criar coisas fantásticas, e Princess Tutu é bem mais do que um exemplo disso: é um incentivo para tal.

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