“Triste Bahia”, de Gregório de Matos e Caetano Veloso

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante Estás e estou do nosso antigo estado!

O poeta baiano Gregório de Matos Guerra (1636 – 1695) é um dos maiores nomes da literatura nacional, e definitivamente é o maior nome da poesia de sua época. Nascido na então capital do Brasil, Salvador – BA, o poeta construiu sua lírica em torno da crítica social e da sátira, muitas vezes relativas a grandes figuras de sua época. Por sua extrema acidez crítica, e por ser evidente, em muitos casos, a que pessoas reais o poeta se referia, deram-lhe a famosa alcunha de “Boca do Inferno”.

Baiano, o poeta atentou imensamente aos costumes e acontecimentos que ocorriam eu sua província e em sua capital. Dessa análise crítica, e também da reflexão sobre a forte união que tinha o poeta com sua terra, nasceu o poema titulado “À cidade da Bahia” (título por muito tempo usado para se referir à capital, Salvador).

São famosos, em especial, os dois primeiros versos:

“Triste Bahia! Ó quão dessemelhante

Estás e estou do nosso antigo estado!

Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,

Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante

Que em tua larga barra tem entrado

A mim foi-me trocando, e tem trocado,

Tanto negócio e tanto negociante.”

Também baiano, o cantor e compositor Caetano Veloso (1942 – ) é figura importantíssima na história musical e cultural recente. Após o golpe de estado de 1964, o artista – junto com seus colegas de classe – foi perseguido pelo regime militar. Especialmente após o “golpe dentro do golpe” (quando a chamada “linha dura” dos militares golpistas assumiu o controle do regime), a perseguição ao cantor foi intensa, resultando em sua prisão e posterior exílio.

Em Londres (Inglaterra), exilado, o músico foi chamado por uma gravadora a compôr um disco, que resultaria no icônico “Transa”, de 1972. Famoso por sua sonoridade, mistura das influências do período (especialmente o rock ‘n’ roll) com a musicalidade brasileira, o álbum contém canções em inglês, português e até uma cançao bilíngue (“Nine out of ten”).

Dentro desse contexto histórico e político, é interessante a versão musicada que Caetano fez do poema, citado acima, de Gregório de Matos. Com uma melodia arrastada e trêmula, bastante rústica e despojada, o lamento de Gregório ganha um novo significado na versão cantada de Caetano Veloso – por exemplo, os versos se ampliam para não apenas serem uma crítica à economia da Bahia seiscentista, mas também aos interesses econômicos e estrangeiros que contribuíram para o golpe de 1964 (a saber, os interesses dos Estados Unidos e seus aliados de manter os demais países da América sob sua influência, em razão da guerra fria e do imenso medo dos capitalistas com o logro da Revolução Cubana).

Ambas as obras são interessantíssimas em seus próprios termos, e ambas as versões merecem ser apreciadas. O poema original de Gregório de Matos pode ser lido nesta seleção de poemas do autor. A canção, tal qual foi gravada para o disco “Transa”, pode ser ouvida através desse link.

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