Escrita Criativa: personagens e estereótipos

Em pleno 20 de novembro de 2018, debater a construção do estereótipo continua tão presente quanto anos atrás, quando antigas gerações...

Em pleno 20 de novembro de 2018, debater a construção do estereótipo continua tão presente quanto anos atrás, quando antigas gerações naturalizaram a diferença e transformavam a alteridade entre as pessoas em um show (como em qualquer romance de “descobrimento”, dotado de gigantescas descrições sobre povos selvagens e simples que pareciam transformar a classe média em definição de padrão civilizatório e bons costumes).

Nosso foco neste texto é a “estereotipagem” em si, o espetáculo que se faz sobre o outro “desconhecido” e alheio. Sejam estereótipos de representação de gênero, étnicos ou raciais.

Um texto literário dotado de verossimilhança é aquele que respeita a harmonia entre os fatos e as ideias, mesmo que haja elementos fantásticos não naturais, a coerência e a representação do meio e dos personagens deve ser tratada com devida atenção.

Mas então, como escrever algo “diferente”, que não pertença ao cotidiano do autor?

Como saber se seu personagem não está seguindo tais estereótipos em cima da alteridade?

Sobre as razões que levam a formação de certos estereótipos, o escritor jamaicano Stuart Hall disserta em “Cultura e Representação” as grandes causas histórias e toda a construção de preconceitos e racismos na sociedade contemporânea. Para ele, a alteridade tem grande importância na construção de significados e ainda, em entretenimento.

a diferença é ambivalente. Ela pode ser tanto positiva quanto negativa. Por um lado, é necessária para a produção de significados, para a formação da língua e da cultura, para as identidades sociais e para a percepção subjetiva de si mesmo como um sujeito sexuado. Por outro, é a ao mesmo tempo, ameaçadora, um local de perigo, de sentimentos negativos, de divisões, de hostilidade e agressão dirigidas ao “Outro”.

Agora fugindo de teorias, faça um teste cotidiano, algo que se aplica ao seu meio.

Em primeiro lugar, se permita fazer um teste simples: você, autor, precisa criar uma figura que parece intimidadora, um personagem assustador. Como ele se parece para você? Ele é negro, grande e alto? Um latino criminoso? Um islâmico irracional e insano? Se a resposta for sim, você passou por essas imagens, qual o motivo?

Cave essas questões em você, mesmo que elas pareçam tão desconfortáveis. Há razões para elas.

É muito banal que usemos a representação a que estamos acostumados, aquelas que vemos sendo expostas por quem conhecemos, sejam essas representações reais ou não. Nessas ocasiões, pense de novo, procure informações, não tenha medo de cair na teoria e de ouvir outras opiniões.

Isso não vale apenas para o vilão de sua obra, os falsos “bons” estereótipos são tão problemáticos quanto a criação dos malfeitores.

O resumo de todo o estereótipo está na forma em que ele é representado.

A construção do asiático inteligente e acadêmico, aceita como realidade por milhares de pessoas, ou ainda árabe barbudo, vestido de turbante e sandálias, a mulher sexualizada oriental, sempre a uma respiração de iniciar uma dança exótica, são apenas algumas das construções da visão do ocidente acerca do oriente.

Por exemplo, ao descrever um personagem negro e intimidador, um dos mais recorrentes estereótipos usados no cinema e na literatura, evite dizer que suas características físicas definam quem ele é. Já em questão ao emocional, nenhum personagem está perfeitamente em equilíbrio com seus sentimentos, portanto personagens negros, orientais e indígenas também não devem ter.

Como exemplo, há a figura cômica da mulher negra e barraqueira, sua personagem é movida essencialmente pelo sentimento de raiva, enquanto personagens brancos não, sem que haja uma razão que explique seu comportamento? Leitores atentos irão perceber e provavelmente atribuir que o autor só a construiu assim em razão de sua cor.

É mais complicado do que parece, mas quando você coloca uma representação em seu contexto completo, mesmo que essa representação seja um estereótipo, ao desenvolvê-lo ela deixará de ser exatamente isso: um estereótipo.

Existem diversos tipo de discursos e ao escrever sobre algo ou alguém que não pertença ao seu meio, evite que esse discurso seja o seu pessoal. Ou seja, sempre questione as decisões e motivações na criação de seu personagem, olhe para as escolhas em todos os ângulos possíveis de se conceber e reflita se isso ofenderia alguém que pertença a esse meio. A pesquisa é sempre essencial.

Não basta apenas incluir um personagem “diferente” em um texto e esperar que ele seja considerado uma obra com diversidade. Um “personagem torta” (aquele que pode ser simplesmente substituído por uma torta que não se notará nenhuma diferença no enredo da história, revelando a total irrelevância do personagem) não agrada e não convence ninguém.

Indicação da odisseia sobre leituras teóricas envolvendo criação de estereótipo:

Cultura e Representação, Stuart Hall.

Sinopse: Em Cultura e representação, Stuart Hall de forma brilhante e única se volta, mais uma vez, para as imagens que nos rodeiam e investiga como estas nos ajudam a entender o funcionamento de nosso mundo e como essas imagens apresentam realidades, valores e identidades.

Citação:

“(…)Qual é o diferencial de um estereótipo? Estes se apossam das poucas características ‘simples, vívidas, memoráveis, facilmente compreendidas e amplamente reconhecidas’ sobre uma pessoa; tudo sobre ela é reduzido a esses traços que são, depois, exagerados e simplificados (…) a estereotipagem reduz, essencializa, naturaliza e fixa a diferença”

Orientalismo, Edward Said

Sinopse: Nas palavras do romancista Milton Hatoum, Orientalismo é “um ensaio erudito sobre um tema fascinante”: como uma civilização fabrica ficções para entender as diversas culturas a seu redor. Para entender e para dominar. Neste livro de 1978, um clássico dos estudos culturais, Edward W. Said mostra que o “Oriente” não é um nome geográfico entre outros, mas uma invenção cultural e política do “Ocidente” que reúne as várias civilizações a leste da Europa sob o mesmo signo do exotismo e da inferioridade. Recorrendo a fontes e textos diversos – descrições de viagens, tratados filológicos, poemas e peças, teses e gramáticas -, Said mostra os vínculos estreitos que uniram a construção dos impérios e a acumulação de um fantástico e problemático acervo de saberes e certezas européias.

Citação:

..aspecto do mundo eletrônico pós-moderno é que houve um reforço dos estereótipos pelos quais o Oriente é visto. A televisão, os filmes e todos os recursos da mídia têm forçado as informações a se ajustar em moldes cada vez mais padronizados. No que diz respeito ao Oriente, a padronização e os estereótipos culturais intensificam o domínio da demonologia imaginativa e acadêmica do ‘misterioso Oriente’ do século XIX.”

Odisseia
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